terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Quatro anos sem Luiz Antônio Barreto: Homenagem a sua memória


Publicado originalmente no site Caderno Mercado, em 24/04/2016.

Quatro anos sem Luiz Antônio Barreto: Homenagem a sua memória.
Por Dilson M. Barreto (economista).

Neste domingo que passou, 17 de abril, completaram quatro anos do falecimento do amigo muito querido, Luiz Antônio Barreto. Se vivo estivesse entre nós, estaria, como sempre, nos alegrando com as suas agradáveis conversas sobre política, literatura, história, expressando sempre os seus sonhos para o futuro, os seus contatos com pessoas de renomada projeção intelectual, as suas piadas sobre o cotidiano, reunindo em torno de si os seus amigos seja no cafezinho do Shopping, seja na livraria Escariz. Luiz era sempre uma casa cheia. Com a vaidade que lhe era peculiar, encantava a todos pelo seu saber enciclopédico. Era um verdadeiro amigo dos seus amigos tanto nas épocas das vacas gordas como de vacas magras a que foi impulsionado em sua trajetória. Porém nunca desistiu ou se deixou vencer pelo pessimismo, não obstante, no final de sua vida terrena, algumas mágoas carregassem no seu bondoso coração. Luiz era um ser humano do bem. Íntegro, leal, sincero, honesto a toda prova. Era engrandecedor desfrutar da sua amizade.

Este pequeno artigo tem como finalidade, sem intenção de seguir uma ordem cronológica, recordar momentos agradáveis que deixaram marcas profundas em minha memória, fruto justamente da feliz convivência com Luiz Antônio Barreto, iniciada, salvo engano, no Conselho do Desenvolvimento de Sergipe (CONDESE) onde exerceu o cargo de Técnico em Pesquisa. Era uma pessoa irrequieta, sempre em busca do saber, enveredando-se pelos livros e revistas na Biblioteca do órgão, fazendo suas anotações, discutindo com os colegas suas opiniões. Naquela época era apenas um conhecimento formal com pouca proximidade. Daí que devo começar este relato forçando a memória para situar-me nos idos de 1976, no Governo do Dr. José Rollemberg Leite, época em que Luiz Antônio exerceu o cargo de Assessor Cultural da Secretaria de Estado da Educação, na gestão Everaldo Aragão Prado. Segundo contou-me recentemente o Professor e amigo Jorge Carvalho, foi uma epopeia para que essa nomeação viesse a acontecer, pois Dr. José o queria num cargo mais elevado, barrado, contudo pelos membros do estamento militar. Insistindo na nomeação face a importância intelectual da pessoa a ser nomeada, o Governador enfrentou os militares e, sem retroceder em suas intenções, criou o cargo de Assessor Cultural especialmente para Luiz Antônio. Sob seu comando neste novo cargo, a Secretaria publicou as obras completas de Tobias Barreto (a que Luiz tinha uma devoção toda especial) e de outros historiadores como Sílvio Romero e José Calazans, brindando o meio cultural sergipano com a profundidade do conhecimento jurídico e filosófico de insignes escritores.

Da mesma forma, no mesmo período, em função da sua paixão pelo folclore de cujas discussões também participava Jackson Silva Lima, amigo sempre presente na vida de Luiz, destacado intelectual e muito respeitado nas rodas da cultura, muito contribuiu para a realização do Primeiro Encontro sobre o Folclore na Cidade de Laranjeiras, e também juntos, idealizaram o Encontro Cultural de Laranjeiras, que ainda hoje se realiza anualmente. Era uma amizade muito forte, ao ponto do nosso homenageado frequentar constantemente a residência desse grande historiador sergipano, alimentando em suas conversas os sonhos, as esperanças e a construção de novos projetos voltados sempre para a cultura. Sim, acho que foi a partir de 1976 que se estreitou nosso conhecimento recíproco, selando uma amizade que perdurou até a sua morte prematura. Mesmo que em algumas épocas os contatos fossem esparsos, pouco importa: a amizade e o respeito profissional de um ao outro, o afeto no trato, selaram a amizade construída. Sim, porque para que se permita dizer que alguém é seu amigo de verdade, não precisa viver permanentemente entrelaçado. Mesmo que a distância decorrente dos afazeres profissionais ocorresse em algum período do tempo, todavia a profundidade do verdadeiro sentimento de amizade encurtava a distância. Quando isto acontecia, contentava-me em acompanhar seus feitos e vibrar com sua trajetória intelectual, suas viagens mundo afora.

Quando da gestão do Dr. Heráclito Rollemberg na Prefeitura Municipal de Aracaju, Luiz Antônio era Secretário de Educação e Cultura. O seu trabalho meritório à frente daquela pasta, a sua preocupação constante com uma educação de qualidade, o seu projeto inovador nessa área, a forma como vibrava ao tratar da matéria e dos seus importantes projetos, davam a marca do seu idealismo. Lembro-me bem da implantação do Projeto “Educação Itinerante”, servindo-se para este fim de vagões adquiridos à Rede Ferroviária Federal e da instalação da primeira unidade em uma região extremamente pobre denominada Aloques, onde as crianças não tinham acesso à educação. Levou-me para visitar o projeto, explicando detalhadamente sua metodologia, que associava o ensino à alimentação escolar e ao lazer das crianças. Mais à frente, levou-me também para visitar o vagão-biblioteca que instalara no Parque Theófilo Dantas, também para crianças iniciantes do primeiro grau escolar. Que felicidade para elas a grande novidade! Os olhos de Luiz brilhavam de satisfação e um sorriso vaidoso estampava em seu rosto, revelando sua plena realização estar servindo às camadas mais pobres da população aracajuana e carentes do saber escolar. Ao mesmo tempo em que as crianças em buliçosa algazarra se sentiam viajando em um trem de verdade, viam ao seu redor centenas de livros infantis com estorinhas que alegravam o coração e enchiam de sonhos suas mentes em formação. Cercando-se de profissionais do mais elevado gabarito, Luiz sonhava em dotar o município de Aracaju de um ensino de qualidade, permitindo às famílias pobres uma oportunidade para educarem seus filhos, resgatando assim sua dignidade de ser humano, transformando-os em verdadeiros cidadãos. O interesse por esse trabalho também demonstrado pelo seu parceiro o Professor Jorge Carvalho, seu amigo muito querido e de uma lealdade a toda prova, permitia consolidar a certeza do sucesso. Tudo isto fazia-o vibrar de emoção, desde quando, cercado por profissionais competentes, tinha a plena certeza de que seu grande sonho transformar-se-ia em realidade. E isto o enchia de vaidade. Não a vaidade dos medíocres, dos pobres de espírito que se enaltecem com o poder e a ele se apegam. Luiz Antônio irradiava uma vaidade lúcida que lhe enchia o espírito por realizar um trabalho para o outro, objeto maior da sua trajetória aqui na terra. E que trabalho: proporcionar oportunidades novas para que essa parcela sempre marginalizada da população tivesse condições de também, através do saber, ascender socialmente. Como era agradável ouvir Luiz Antônio falar dos seus projetos, do seu propósito de fazer o melhor por Aracaju, no campo da educação e da cultura. Foi uma pena ver os vagões desaparecerem dos locais onde estavam instalados, apagando uma história que havia sido construída com tanta dedicação. O tempo, porém, jamais apaga as ideias e os seus construtores.

Recordo-me de Luiz cercado de livros e de um amontoado de papéis em sua mesa de trabalho, inicialmente na “Pesquise”, embrião do que seria mais tarde o “Instituto Tobias Barreto” por ele fundado e dirigido, agora num imóvel localizado na Avenida Ivo do Prado, com amplo espaço para acolher esse volume incalculável de material bibliográfico. Pesquisador incansável sobre a história de Sergipe e de seus vultos de maior destaque na vida econômica, política e cultural, organizou e administrou com coragem um grande acervo tanto em livros, fotografias e outros documentos históricos, abrindo, a partir daí a oportunidade para que estudantes dos cursos médios e universitários coletassem suas informações e produzissem seus trabalhos escolares e acadêmicos. O preço pelo fornecimento das informações? O prazer de servir e ver materializado o seu esforço de pesquisador. Este era o verdadeiro perfil de Luiz Antônio Barreto e esta apenas uma parte da sua história.


Parte 2 - Publicado em 01/05/2016.

Iniciamos no artigo anterior uma retrospectiva sobre os momentos mais significativos que marcaram a vida de Luiz Antônio Barreto à luz da convivência mantida com ele ao longo de vários anos da sua existência. Para que esta homenagem obtenha o significado pretendido, segundo o meu mais profundo desejo ela, ao abordar a trajetória de vida de Luiz, se prende a uma cronologia não ordenada dos fatos e feitos do meu conhecimento, muitos dos quais ocorreram ao longo dessa amizade construída através do relacionamento funcional ou da simples convivência pelas andanças do tempo. Para tanto é que recorro à memória, procurando resgatar as boas lembranças desse salutar convívio. Luiz tinha o grande dom de saber conquistar amigos e consolidar amizades verdadeiras, além daqueles amigos fortuitos que vieram a surgir no meio da caminhada, fruto da admiração pela sua cultura e simplicidade como ser humano. Luiz Antônio Barreto deixou sua cidade natal (Lagarto) para poder concluir seus estudos (ginasial e médio) em Aracaju, sem, contudo, afastar o seu amor por sua terra natal. É justamente em Aracaju que inicia sua carreira jornalística trabalhando em momentos diferentes, no Correio de Aracaju, Sergipe Jornal, A Cruzada, Correio de Aracaju, Jornal da Cidade e Gazeta de Sergipe, sendo neste último Jornal a consagração da sua profissão. Porém não parou aí: estudou Direito, não concluindo o curso, música e literatura, o que lhe permitiu um embasamento consistente para o seu desenvolvimento intelectual, dando asas a sua inquietante tendência para a pesquisa e a escrita.

Frequentávamos as casas um do outro. Eu mais retraído, apropriava-me em silencio não apenas da sua conversa agradável, mas também da sua cultura que se alargava da literatura à música, da educação ao folclore, da poesia à história. Nos aniversários dos meus filhos, sempre estava presente, acompanhado do primogênito Thiago, hoje um homenzarrão maior e mais forte do que eu. Era uma festa inocente para as crianças e um momento aprazível de alegria e boa conversa para os adultos, onde Luiz se destacava pelo seu fino trato. O lançamento dos seus livros nos mais diversos segmentos do saber, escritos diretamente ou em parceria com outros intelectuais de renome, representava para ele a plenitude do seu trabalho intelectual e para nós seus leitores, além da felicidade de participar de um evento onde velhos amigos eram encontrados, a satisfação de ser presenteado com novos saberes. Seus escritos não ficavam restritos à província de Sergipe Del’Rei: eles extrapolavam fronteiras penetrando Brasil a dentro e extrapolando para o Exterior, consolidando sua trajetória intelectual além-fronteiras, onde também passou a gozar de respeitabilidade e admiração pelo muito que representou para a cultura nacional.

Como era gostoso conversar com Luiz Antônio, escutar suas estórias entre elas a de seus vários amores, eternos enquanto duravam não importando o aspecto temporal, ouvir contar o resultado de suas últimas pesquisas, o próximo livro em preparo para ser lançado… a recordação do seu tempo como Jornalista da Gazeta de Sergipe de “Seu” Orlando, os editoriais publicados, as discussões políticas e intelectuais com o seu proprietário, a censura ao Jornal quando do período da Ditadura Militar, as perseguições e os constrangimentos que também sofreu nesse período. O tempo sempre era curto para tanta informação!

Não sei em que data e em que administração, mas recordo-me de Luiz Antônio como Diretor da Galeria Álvaro Santos, promovendo com entusiasmo os trabalhos dos artistas plásticos sergipanos, realizando diversos eventos culturais para valorizar a prata da casa. O vejo também sendo constantemente requisitado para emprestar seus serviços profissionais diretamente ao Governo do Estado ou a um determinado órgão público, bem assim, em 1972, ingressando como sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe onde desempenhou importante papel colaborando nos trabalhos daquele órgão, inclusive nas funções de Presidente, Secretário e Orador. Lembro-me também da sua passagem pela Fundação “Joaquim Nabuco” na Cidade do Recife durante o período de 04 de agosto de 1983 a 21 de agosto de 1989, chefiando o Setor de Documentação daquela instituição de pesquisa, a convite do seu presidente e amigo pessoal Fernando de Melo Freire, também já falecido, o que o obrigou a fixar residência temporária no Recife, oportunidade esta que lhe permitiu expandir tanto sua área de pesquisa, como consolidar regionalmente o seu nome. Concluiu esse período exercendo por algum tempo as funções de Chefe do Escritório Regional daquela Fundação em Sergipe. Passando uma temporada residindo no Rio de Janeiro, exerceu o cargo de Assessor do Instituto Nacional do Livro. De fácil comunicação e afeito a construir boas amizades, teve no Rio a oportunidade de estreitar relações com renomados intelectuais brasileiros, tornando-se nacionalmente conhecido. Em Portugal marcou presença efetiva ao dirigir o Instituto Luso-Brasileiro, estreitando as relações culturais entre Sergipe e aquele País. Como era emocionante ouvi-lo falar com a vaidade que lhe era peculiar, das suas idas a Lisboa, à Universidade de Coimbra, dos seus feitos em termos de palestras e seminários que participou, além das grandes amizades ali construídas! Portugal foi, talvez, a porta de entrada para marcar na vida de Luiz Antônio uma trajetória internacional no âmbito da cultura e da literatura, tornando-o um autor amplamente pesquisado e citado, especialmente a partir da publicação das obras de Tobias Barreto. Exercendo o cargo de Secretário de Estado da Educação no Governo do Dr. Albano do Prado Franco, procurou implantar um ensino de qualidade, promovendo, em convênio com a Universidade Federal de Sergipe, a formação acadêmica de nível superior dos professores da escola pública e levando o ensino médio aos setenta e quatro municípios do Interior, ação inigualável que permitiu deixar registrada sua marca como grande educador.

As lembranças me fazem também enxergar Luiz Antônio adentrando pomposamente na Academia Sergipana de Letras no ano de 1979 para ser laureado como membro daquela Academia, ocupando a cadeira de número 23, pertencente anteriormente ao Professor Gonçalo Rollemberg Leite, num reconhecimento ao seu trabalho intelectual como produtor do conhecimento científico e literário e de grande pesquisador da memória sergipana, chegando a presidir aquela Instituição durante os anos de 1983 a 1990. Além de fundador da Revista Perspectiva, escreveu cerca de trinta livros e centenas de artigos sobre os mais variados assuntos, destacando-se neste conjunto as obras completas de Tobias Barreto em dez volumes, merecendo desta forma seu ingresso naquela casa das Letras. Marcam ainda a minha caminhada com o amigo querido Luiz Antônio, a produção dos seus fascículos sobre “Personalidades Sergipanas”, publicados semanalmente, de início na Gazeta de Sergipe e posteriormente no Correio de Sergipe e que deram origem a um livro condensando todas as biografias anteriormente publicadas. A sua vocação de pesquisador o levou também à direção da Fundação Augusto Franco, nela colaborando intensamente na promoção da cultura folclórica e literatura sergipana. Todos esses grandes feitos transformaram Luiz Antônio Barreto numa grande referência intelectual tanto no Brasil como no exterior e honra maior de todos nós sergipanos.

Texto e imagens reproduzidos do site: cadernomercado.com.br

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