terça-feira, 4 de abril de 2017

Sílvio Romero é o notável pensador militante da cultura brasileira

Imagem reproduzida do site: junglekey.com
Postada por Isto é SERGIPE, para ilustrar artigo.

Publicado no site do Jornal Folha de S. Paulo Ilustrada, em 16/02/2002.

Sílvio Romero é o notável pensador militante da cultura brasileira
Por Gilberto Felisberto Vasconcellos*

Se haverá alguém entre nós que mereça ser considerado intelectual, na acepção verdadeira da palavra, é o sergipano Sílvio Romero (1851-1914), o crítico e sagaz observador de tudo o que nos diz respeito como povo e nação.

Notável pensador militante da cultura brasileira, de uma liberdade de pensamento e coragem a toda prova, mergulhou fundo no entendimento do que somos na história: um singular produto colonial vindo ao mundo no século 16, resultando daí um povo que ainda se desconhece.

São raros os letrados que se ocupam de assuntos brasileiros. Nossa predileção é por idéias e autores estrangeiros. Aí é que nos sentimos metidaços. Queremos ser indivíduos de nosso tempo, mas não de nosso país. A isso acrescente-se outro elemento complicador que Silvio Romero não poderia evidentemente sequer imaginar: hoje o Brasil converteu-se em território estrangeiro.

Crítico da cultura, informado pela convivência da tradição popular, pioneiro na ciência do folclore, além de escrever bem, Sílvio Romero contribuiu como ninguém para a anatomia da alienação colonial em seu combate à escravidão, ao Império e à Igreja. Levou por isso bordoadas e descomposturas de todos os lados, sobretudo por ter submetido a julgamento crítico o valor das criações artísticas e culturais.

A tal ponto chegou que escreveu um famoso livro descendo o malho em Machado de Assis, desde então unanimidade celebrada lá em cima no pináculo das letras, considerando-o dúbio, retórico, desprovido de convicção, de crença e de cultura científica, tendo perfil eclético, enfim, "o conselheiro da comodidade literária".

É comum referir-se a ele sob a pecha de nacionalista radical, de conteudista, de insensível, de preconceituoso. Sílvio Romero acreditava na grande missão histórica a ser realizada pelo Brasil, malgrado a terrível antinomia entre a exuberância da mamãe natureza e o povo vivendo na miséria.
Temperamento alto-astral, avesso ao pessimismo e à fingida alegria, cheio de entusiasmo, pai de 19 filhos, Sílvio Romero negou que a genialidade criadora fosse acompanhada pelo traço epiléptico, melancólico e cismador. "Gosto muito da vida; tenho a mania brasileira da luz e do bulício do mundo; a terra me encanta."

Não é crível que tivesse sido inimigo do lirismo. "O entusiasmo não se inventa, o sentimento não se fabrica por convenção." Não devemos vê-lo como um antilírico; afinal, era filho e neto de portugueses. Basta ler a narrativa de 1900 sobre Rio-Dacar-Lisboa-Porto, contando sua primeira e única ida à Europa. Obra-prima.

Nosso xará de Apipucos, Gilberto Freyre, deve ao talento sociológico de Sílvio Romero o conceito basilar sobre o lusotropicalismo. Aliás, de 1900 em diante, tudo o que vale a pena no pensamento brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo, de Monteiro Lobato, de Nélson Werneck Sodré a Darcy Ribeiro, é visível a emanação mental de Sílvio Romero com a sua abordagem antropológica acerca do mestiçamento.

Não foi certamente movido pelo sentimento paranóico que ele cantou a jogada: "Não estou disposto a deixar ser bifado o meu lugar na história intelectual brasileira". Como se sabe, é violenta a perfídia colonial entre os chamados homens de letras.

Embora refratário ao indianismo, ao caboclismo, à poranduba, Sílvio Romero não foi de todo anti-romântico, se por romantismo entender-se o incômodo ou o protesto diante da existência social do dinheiro: "As ditaduras do patriciado do dinheiro", como denunciou sem papas na língua.

* Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora e autor, entre outros, de "Glauber Pátria Rocha Livre" (Senac).

* Especial para a Folha.


Estudos de Literatura Contemporânea
Autor: Sílvio Romero
Organizador: Luiz Antônio Barreto
Editora: Imago 

Texto reproduzido do site: folha.uol.com.br/fsp/ilustrad

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